“O mundo corporativo precisa se preocupar com a saúde mental para além do calendário sazonal”, alerta médica, sobre a prevenção ao suicídio no ambiente de trabalho
Com a chegada do mês de setembro, a campanha “Setembro Amarelo”, dedicada à conscientização sobre a prevenção ao suicídio, faz o debate em torno da saúde mental ganhar destaque. No entanto, restringir o debate sobre saúde mental a um período específico do ano representa um erro significativo. Especialmente em ambientes corporativos em que o estresse e a pressão são constantes e tais condições frequentemente agravam ou servem de gatilho para problemas de saúde mental.
Saúde Mental dos Trabalhadores
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o suicídio como uma das principais causas de morte global, com mais de 700 mil vítimas anuais. No Brasil, o cenário é igualmente preocupante, com o ambiente de trabalho frequentemente exacerbando problemas como estresse, ansiedade e depressão. Somente entre 2007 e 2022, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou quase três milhões de atendimentos para doenças ocupacionais. Dessa forma, destacando o impacto direto das condições de trabalho na saúde mental dos trabalhadores.
Recentemente, o Ministério da Saúde atualizou a lista de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo 165 novas patologias, entre elas o Burnout – ou síndrome do esgotamento profissional. Essa condição, caracterizada por um esgotamento físico e emocional extremo, é frequentemente desencadeada por fatores psicossociais, como a gestão inadequada e as condições de trabalho.
A Dra Simone Nascimento, médica especializada em saúde mental e bem-estar corporativo, ressalta a importância de integrar a prevenção ao suicídio no ambiente de trabalho à cultura organizacional. Sendo assim, não apenas como uma resposta pontual, mas como um compromisso contínuo. “Para realmente impactar a saúde mental dos colaboradores, as empresas precisam ir além das campanhas de conscientização e implementar políticas eficazes ao longo do ano. Tanto o RH quanto as lideranças têm papéis cruciais na construção de um ambiente que priorize o bem-estar das pessoas”, afirma a Dra Simone.
Políticas e Programas de Proteção
Casos como o de Luiz Felipe Dominicalli, que tirou a própria vida dentro do galpão do Mercado Livre após ser demitido em fevereiro deste ano, num momento em que esperava ser efetivado, evidenciam a necessidade urgente de revisão das políticas institucionais e programas permanentes de proteção à saúde mental, pois as condições de trabalho, incluindo metas excessivas e assédio moral, foram apontadas como fatores que contribuíram para essa tragédia.
Identificar sinais de alerta, que muitas vezes são discretos e podem ser ignorados em ambientes corporativos, é um dos maiores desafios. A médica enfatiza que o treinamento adequado para o RH é essencial para a detecção e abordagem precoce desses sinais. “Sinais de sofrimento mental, como mudanças bruscas no comportamento e queda na produtividade, devem ser identificados e tratados com urgência”, explica. Segundo ainda a médica, para criar um ambiente de trabalho verdadeiramente acolhedor e seguro para o bem-estar emocional, as empresas devem adotar práticas contínuas e eficazes.
A implementação de programas de apoio ao colaborador, por exemplo, é essencial, pois incluem serviços de apoio psicológico e assistência ao empregado (EAP). Aliás, que devem estar disponíveis o ano inteiro, garantindo que os funcionários possam buscar ajuda quando necessário. “Esses recursos não apenas oferecem suporte imediato, mas também contribuem para a construção de um ambiente onde os funcionários se sentem valorizados e amparados”, pontua a médica.
Integração com Segurança no Trabalho
Outra estratégia indicada é a integração da saúde mental nas políticas de saúde e segurança no trabalho. Isso envolve a criação de diretrizes claras e abrangentes para o manejo de estresse, burnout e depressão. Ao posicionar essa prática como uma parte central da política organizacional, as organizações demonstram seu compromisso com o bem-estar dos colaboradores e estabelecem um padrão para lidar com questões relacionadas de forma proativa e estruturada.
Além disso, a construção de uma cultura de saúde e a capacitação de lideranças também desempenham um papel fundamental. Líderes bem treinados não apenas identificam sinais de alerta, como mudanças no comportamento e queda na produtividade, mas também promovem uma comunicação aberta e empática. Essa abordagem cria um ambiente onde os colaboradores se sentem seguros para expressar suas preocupações e buscar ajuda sem medo de estigmatização.
“Para realmente fazer a diferença na saúde mental no ambiente de trabalho, é preciso adotar essas práticas que sejam contínuas e incorporadas à cultura da empresa. Criar um ambiente onde o bem-estar dos colaboradores é uma prioridade diária, e não apenas um foco durante campanhas específicas, deveria ser inegociável. No final das contas, o que queremos é construir uma cultura de produtividade sustentável, com segurança psicológica, onde colaboradores se sintam seguros e amparados, não só em setembro, mas em todos os dias do ano“, finaliza.
Sobre a Dra Simone Nascimento
A Dra Simone Nascimento é médica e possui especialização em Saúde Mental Corporativa pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. Possui certificação em Medicina do Estilo de Vida pelo American College of Lifestyle Medicine e cursa MBA de Saúde e Qualidade de Vida como estratégia de negócio. Simone é fundadora do Projeto Equilibria – Saúde Individual e Coletiva e atua como palestrante e consultora de programas de saúde e qualidade de vida no trabalho.
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